domingo, 8 de maio de 2011

Análise de 'Bertulina', de Marli


'Bertulina' é a desgraçada história de uma garota que se passa no começo do século XX. Na realidade, a obra é a analepse dessa história, isto é, a volta ao passado, rememorando fatos que marcaram a vida da narradora, que tem o mesmo nome da música.

O tempo é um recurso bastante importante em 'Bertulina', já que o discurso se inicia com uma espécie de prólogo, que tem a função de introduzir e preparar o interlocutor para as desventuras da narradora. Isso fica claro logo no primeiro verso, em que ela diz "Eu vou contar uma história, você vai se surpreender. Ainda guardo na memória o que a vida me fez fazer".

A partir daí, efetiva-se a analepse, remói-se a "ferida aberta e escancarada". É aí que o interlocutor descobre a razão de tanto sofrimento: o pai de Bertulina, alcoólatra, assassinou a esposa. Posteriormente, as tormentas caíram sobre a própria filha, que teve de suportar o pai e sua agressividade. Além disso, Bertulina engravida, fato que, a princípio, só chegamos a saber por meio do vídeo. Nada se pode inferir sobre isso, mas a mais provável hipótese é que se trata de um filho do próprio pai, já que só há esses dois personagens na gravação.

A descoberta da gravidez da filha resulta no assassinato da mesma pelo pai, e nesse momento novamente o tempo é responsável pela interpretação dos fatos, já que no final do vídeo, Bertulina tem o filho ao colo. Nota-se aí espécie de lapso temporal provocado pelo que chamaremos a partir de agora de "espiritualização retificadora", promessa de volta à vida para se vingar. "Eu vou deixar um rastro de sangue. [...] Eu vou estar lá naquele lugar, esperando até você chegar".

O cenário sombrio e macabro onde se desenvolve a história é, além de seu próprio escracho, o substrato para o nascedouro das simbologias em 'Bertulina'. Não se deve deixar passar em branco uma frase que até soa de mau gosto no refrão: "A noite é uma vaca preta", que além disso, é o epitáfio da personagem Bertulina. A vaca carrega em si diversas simbologias, mas a que mais nos interessa é a de símbolo de fertilidade, assim como é designada na cultura hindu. O adjetivo "preta" funciona aí como inversor desse conceito, além de reforçar a si próprio por estar sendo argumento da noite, caracterizada pela cor negra. Dessa forma, a noite seria a metaforização da própria morte de Bertulina, momento em que o portal de transição entre vida e morte está aberto, único período em que ela pode voltar para efetuar seu acerto de contas. Ela mesma diz que "se antes, o sol raiar, eu vou ajoelhar e rezar por ti", ou seja, com o fim da noite, rezar pela alma do pai é tudo o que ela pode fazer. O clima de morte paira ao longo de todo o vídeo, que é monocromático.

Já na segunda metade da música, Bertulina faz citação a um filho: "Corri buscando meu filhinho", que passa então a se juntar a ela, que sobreviveu "sozinha nas florestas". Nessa parte, volta-se à Bertulina viva, que deu prosseguimento a tudo e que hipoteticamente consumou a vingança. Com o filho ao colo, já não há mais letra, a despeito da voz. A onomatopeia pela narradora entoada se assemelha a uma cantiga de ninar, como se o filho não pudesse ou não precisasse saber do passado, já que dele não tem culpa. A triste experiência vista sob sua própria focalização é superada, mas não esquecida: "Ainda guardo na memória [...]". Ora, não há como esquecê-la, de qualquer forma, se carrega nos braços o fruto de seus pesares.

2 comentários:

  1. darlan, um parabém.estou completamente chocada. você é o bosi das músicas sem prestígio. um beijo adocicado.

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  2. Genial interpretação, os meus sinceros parabéns...

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