sábado, 14 de maio de 2011

Análise de 'Bachelorette', de Björk


                “Bachelorette”, obra da cantora islandesa Björk, foi lançada em 1997 como o segundo single do álbum Homogenic. A música, dentro do contexto, não é surpreendente, já que o Homogenic de maneira geral se define pela dicotomia do mundo físico-metafísico, pelas dúvidas surgidas na mente da cantora e pelo trabalho mais apurado da língua inglesa, que não é a materna de Björk.
                Primeiro, pensemos no título. “Bachelorette” é uma palavra um tanto pejorativa para “solteira”, mas não solteira por opção; solteira pelo acaso ou por já se ter passado tempo demais. Isso se identifica na letra da música pela maneira exótica como ela se apresenta, o que é uma característica bastante marcante de Björk. Ela se define como uma fonte de sangue  e sugere ao seu interlocutor que a beba (referência implícita a Alice no País das Maravilhas) e que molhe o bico em seu riacho, em sua corrente-d’água.
                Na estrofe seguinte, se define como um caminho de brasa por onde seu interlocutor passa. Bastante comum é essa temática da excentricidade e do sacrifício para conseguir o amor: o interlocutor deveria beber um pouco de sangue e caminhar sobre brasas para chegar a ela. Sem dúvida, isso é tudo simbólico, mas marca a dificuldade de amar e ser amado, reforçada pelo título.
                Essas barreiras que a envolvem em uma redoma, isolando-a do mundo, são quebradas quando o amor se dá. No vídeo, esse amor parece ser representado pela união para a publicação de um livro. O clipe começa com uma pequena introdução, que é o trecho inicial do livro por ela publicado: “Um dia, encontrei um grande livro enterrado bem fundo na terra. Abri e todas as páginas estavam em branco. Então, para minha surpresa, ele começou a se escrever sozinho”. Novamente, a imagem da bachelorette surge: aquela que não tem as rédeas da própria vida, que não tem amor, que precisa que alguém a desinvolucre.
                Na história do vídeo, a bachelorette consegue que seu livro seja publicado (provavelmente é uma autobiografia, já que se chama My Story), e todos começam a lê-lo. Depois disso, o que era literatura escrita se transfigura para a cena teatral, em que ela mostra o processo de criação de seu livro. Nessa parte da história, lança-se mão de um recurso literário-artístico muito antigo, mas que só recebeu nome com André Gide, no século XX. É o mise en abyme, presença interna dos elementos externos, encaixe das narrativas. Esse efeito ficou popularmente conhecido como “efeito Droste”, por causa da embalagem da lata de cacau holandesa Droste, que usufrui desse recurso.
                O mise en abyme aparece quando da representação teatral da história que já havia ocorrido, e posteriormente, quando no roteiro dessa peça teatral, há a inclusão dessa mesma história. De forma genérica, o videoclipe fala de uma história que fala de uma peça teatral que representa a história.
                A partir do momento em que o produtor do livro (interlocutor amoroso da bachelorette) vê a si próprio representado, percebe a farsa que existe nesse jogo, a farsa que a própria bachelorette é, e isso é representado em diversos pontos: na apresentação teatral, ela usa uma espécie de avental que simula um vestido, mas todos veem que ela usa uma calça jeans por trás, como se quisesse passar uma imagem que de fato não tem. Outro ponto é a própria publicação do livro, já que, ao fim do vídeo, as palavras do livro se apagam sozinhas. O interlocutor abandona a bachelorette, e os leitores do livro passam a desprezá-lo. Uma cena retrata cidadãos jogando o livro My Story na sarjeta.
                O efeito do mise en abyme nos mostra que a bachelorette vai atrás do publicador de livros para resolver essa situação ou, de alguma forma, saber o que fazer, mas ele se transformou num humano com formas vegetalizadas, a que podemos associar a simbologia da inércia em si. As plantas são marcadas pela dualidade de ação: ou não a têm (como a maioria das plantas, que não se move) ou a têm (como poucas plantas, cite-se a trepadeira como exemplo, que se adapta aos lugares onde cresce). O publicador de livros, assim como todos os leitores de My Story, transformam-se em plantas da primeira espécie; já a bachelorette é engolida pela trepadeira, levada pela sociedade.
                Depreende-se, dessa forma, que a farsa pode existir e durar por muito tempo, mas a natureza, evocada pelos instintos, será sempre capaz de por as coisas no lugar.

10 comentários:

  1. belíssima análise da música Bachelorette!!!
    parabéns.

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  2. seria bom saber o que significa no fim da música, já que é um trecho em islandês e nem no site dela tem essa parte que ela canta, seria até bom saber p/ dá mais significado ao sentido da letra, ou alguém aqui sabe ?!

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    1. http://www.bjorkbrasil.verandi.org/secoes/especiais/greates_e_family/greatest/musicas/05_bache.htm

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  3. Raramente comento. Mas essa análise foi muito bem "viajada", show!

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